Editorial | Via Modal
O leilão do novo terminal é passo necessário, mas insuficiente. Sem planejamento para um porto moderno, sustentável e fora dos limites urbanos. Santos corre o risco de perder seu protagonismo logístico
O aguardado leilão do TECON 10 (antigo STS10), imerso em controvérsias, é visto por muitos como a tábua de salvação para os crônicos problemas do Porto de Santos, acenando com a perspectiva de um planejamento de longo prazo. A realidade, contudo, é implacável: o maior porto da América Latina atingiu o esgotamento de sua capacidade operacional, trabalhando além dos limites aceitáveis para a eficiência. Essa saturação tem levado a atrasos de embarque, filas de navios (o tempo de espera saltou de 8h em 2019 para 20h, com picos de 40h), e ao desvio de cargas para outros portos, comprometendo a competitividade de São Paulo, que detém a maior participação no PIB brasileiro.
Os números da ineficiência são alarmantes. A falta de berços, de “janelas” de atracação e os altos custos nos terminais atuais indicam uma crise de infraestrutura que causa prejuízos estimados em mais de US$ 21 bilhões anualmente, segundo a Associação Comercial de Santos e estudos do Centronave. O TECON 10, com sua capacidade projetada para adicionar 3,25 milhões de TEUs até 2034, torna-se, na visão de muitos, o último recurso para oferecer um “suspiro” ao sistema.
É completamente descabida a ideia de estabelecer regras que restrinjam a participação dos grandes players da indústria marítima no leilão, sob o argumento de que já operam em Santos. A saturação atual prova que os terminais existentes não suprem as necessidades do mercado. A busca por espaço para ampliar operações é uma resposta natural e necessária à demanda crescente. A urgência do TECON 10 não é para o futuro; é uma necessidade atual e imediata, para aliviar a pressão operacional e mitigar as perdas bilionárias.
No entanto, a entrega do TECON 10, por si só, é apenas um paliativo. Mesmo com a ampliação da capacidade de movimentação de contêineres, o porto continuará refém de seu gargalo estrutural mais crítico: o calado do canal de acesso.
A falta de profundidade adequada (o porto opera entre 14,5m e 16m necessitando de 17m para navios de 11.500 TEUs com carga máxima) impede que os grandes navios, mais eficientes e sustentáveis, operem com sua capacidade total. A navegação alerta para o risco de “colapso” e estima perdas de carregamento da ordem de centenas de milhares de contêineres por ano devido a essa restrição, o que reforça a perda de competitividade.
A solução de longo prazo para garantir o protagonismo de São Paulo na indústria portuária vai muito além do TECON 10 e da mera dragagem do canal. O caminho adotado por grandes portos internacionais como Roterdã, Singapura e Xangai, foi a construção de portos de água profundas com acesso direto a navios de nova geração, totalmente automatizados, energeticamente limpos e afastados de áreas urbanas densas.
Pensar em receber mais cargas em um porto já engolido pela cidade e cujas operações logísticas (acessos rodoviários e ferroviários, como na Alemoa) já causam enormes transtornos é inviável. Qualquer aumento de operação no complexo atual apenas agravará a congestão, as filas de caminhões e os impactos socioambientais.
O planejamento portuário do Brasil precisa incorporar a tendência dos meganavios, a busca por eficiência e a urgência da sustentabilidade. A única visão de futuro aceitável deve contemplar um Porto de Águas Profundas com profundidade de operação entre 20m a 22 m e capacidade para receber os maiores e mais eficientes navios do mundo, servido por uma estrada de ferro e rodovia dedicadas, desconectadas do tráfego urbano. Um projeto que leve em conta o impacto zero nas cidades vizinhas, planejando a logística retroportuária de forma integrada e dimensionamento dos terminais para operações totalmente eletrificadas, uso de energia limpa e automação para máxima eficiência.
O leilão do TECON 10 é uma medida emergencial vital para desafogar a operação presente, mas não pode desviar o foco da necessidade de um planejamento de infraestrutura visionário. O Brasil não pode se contentar com paliativos para o maior porto do país. O futuro exige a coragem de olhar para além do horizonte, investindo em soluções estruturais que garantam a competitividade e o desenvolvimento por décadas. No Porto de Águas Profundas está a chance do Estado de São Paulo continuar sendo o motor econômico do país.
Redação Via Modal
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